O plantio de alimentos em hortas e quintais produtivos é uma prática ancestral que mostra a forte relação das mulheres com a terra e com o sustento das famílias. Lideranças quilombolas da Região Serrana do Rio dão continuidade a esta tradição, como uma estratégia para promoção da saúde por meio da produção agroecológica.
Neste dia 25 de julho, em que é comemorado o Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, contamos a história de duas mulheres que são exemplos de resistência nas comunidades onde vivem. Elas vêm desempenhando um papel crucial na preservação da cultura e na promoção da agroecologia nas comunidades de Boa Esperança, em Areal, e Tapera, em Petrópolis.
No Boa Esperança, Valdinéia da Silva Santos Gomes, de 52 anos, tem se dedicado ao plantio de alimentos, como alface, mostarda, chicória, beterraba, jiló, quiabo e couve. Considerada uma das lideranças do território por seu perfil de mobilizar e fortalecer principalmente outras mulheres, ela destaca a produção dos alimentos agroecológicos como um caminho para uma vida com mais saúde.
“Agroecologia para mim é vida. Tenho o maior orgulho de colocar na minha mesa uma alimentação sem agrotóxicos. E não só para mim, para minha família, mas para os vizinhos também”, conta ela, que compartilha os alimentos com outros moradores do território e também tem apostado no cultivo agroecológico como uma forma de gerar emprego e renda para as mulheres e famílias que vivem na comunidade.
Já no Quilombo da Tapera, é Eva Casciano, de 40 anos, que se dedica ao cultivo do quintal produtivo que conta também com ervas medicinais. Ela ainda contribui para a implantação de um pomar para uso da comunidade, que vem sendo construído por um coletivo de mulheres, criado recentemente, onde se cultivam espécies como banana, laranja, tangerina, amora, pitaya, goiaba, grumixama, mirtilo e framboesa.
“A gente tem buscado muito um protagonismo feminino na agroecologia. Sempre aconteceu, mas a gente não falava tanto, não tinha tanto apoio e, hoje em dia, temos buscado esse fortalecimento. Temos feito muitas trocas, até com as mulheres do Quilombo Boa Esperança, que fica aqui próximo. Estamos visitando os quintais delas e elas os nossos e fazemos troca de alimentos”, disse.
Para Eva, o conceito de agroecologia está ligado a todo o envolvimento com o meio ambiente. “É um plantio preocupado com todas as questões ao nosso entorno, né? Envolvendo o cuidar do nosso próximo, o cuidado com a terra, com a natureza. O que a gente tá colocando no nosso corpo? O que a gente está oferecendo para o nosso próximo? Tudo isso eu entendo como um conceito de agroecologia”, explica.
As iniciativas da Valdinéia e da Eva são estimuladas pelo Projeto Ará, executado desde 2021 pela Fiocruz, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e a saúde em populações fragilizadas e comunidades tradicionais em três regiões do Rio de Janeiro e também no estado de São Paulo. Na Região Serrana, o projeto é conduzido pelo Fórum Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde, programa da presidência da Fiocruz em Petrópolis.
No Quilombo Boa Esperança, o projeto Ará contribuiu com a melhoria da qualidade da água, com a implantação de saneamento ecológico, cercamento de nascentes e fortalecimento de quintais produtivos e sistemas agroflorestais. No Quilombo da Tapera, o Ará contribuiu para implantação de quintais produtivos, do pomar comunitário e também está em andamento a revitalização do horto de plantas medicinais e ornamentais.
Agrônoma no Fórum Itaboraí, Lucia Helena Almeida afirma que as atividades voltadas à promoção da agroecologia nos territórios quilombolas de Boa Esperança e Tapera ampliaram a diversidade dos cultivos de hortaliças e de espécies frutíferas pelas mulheres. “Isso contribui para a soberania e segurança alimentar a partir da observação das relações ecológicas que se dão no ambiente local”, disse.
O fortalecimento da agroecologia nos territórios está associado ao combate à fome e à insegurança alimentar. De acordo com relatório da Rede PENSSAN em 2022, quase 20% dos domicílios rurais enfrentam a fome. As desigualdades de acesso aos alimentos têm forte recorte de raça e de gênero: famílias que têm mulheres como responsáveis e/ou aquelas em que a pessoa de referência se denomina de cor preta ou parda são mais atingidas pelo problema. Mais de 6 em cada 10 (63,0%) estavam em algum nível de insegurança alimentar.