Por Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
O Brasil terá, até o fim do ano, um novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). O documento vai definir estratégias e metas para políticas de pós-graduação, de pesquisa e de formação de pessoal para serem implementadas em cinco anos.
Para detalhar a elaboração e as prioridades do novo plano, a Agência Brasil conversou com a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante (foto).
Segundo ela, políticas e ações voltadas para a redução de desigualdades, para a formação de professores e para melhorar a relação da pós-graduação com as demandas da sociedade estarão entre as prioridades do plano.
O documento está sendo discutido internamente em grupos de trabalho. Ainda deverão ocorrer oficinas regionais, em parceria com as fundações de apoio à pesquisa dos estados e uma consulta pública. Após essas etapas, o documento deverá ser aprovado pelo Conselho Superior da Capes. A expectativa, segundo a presidente, é que o PNPG seja consolidado em dezembro e passe a vigorar em janeiro de 2024.
O novo programa deverá também nortear o Plano Nacional de Educação (PNE), que define metas para toda a educação, desde a infantil até a pós-graduação do país pelo prazo de dez anos. O atual PNE termina em 2024 e uma nova lei deverá ser aprovada.
A meta atual para a pós-graduação é elevar número de mestres no país para 60 mil e de doutores para 25 mil. De acordo com o painel de acompanhamento do PNE, a meta dos mestres já foi cumprida.
Bustamante destacou também, nesta entrevista, o papel da Capes para reduzir as assimetrias entre os cursos de pós-graduação. “É importante que o sistema de pós-graduação também englobe essa diversidade que é tão própria do Brasil, mas sem acentuar as desigualdades. A gente quer manter a diversidade, mas não as desigualdades”, diz.
Sobre as bolsas de estudos, a presidente da Capes comentou o recente reajuste e disse ainda não haver previsão para novos aumentos. “O ideal é que as bolsas tivessem uma certa previsibilidade de reajustes, mas isso está muito associado também à aprovação da lei orçamentária anual, que depende da proposta a ser levada para o Congresso e da aprovação do Congresso Nacional”, esclarece.
Atualmente, a Capes é responsável pelo pagamento de 50.699 bolsas de doutorado, 44.019 bolsas de mestrado e 3.542 bolsas de pós-doutorado no país, segundo o Sistema de Informações Georeferenciadas (Geocapes).
As bolsas – sem reajuste há uma década – tiveram aumento de 40% para alunos do mestrado e doutorado, chegando respectivamente a R$ 2,1 mil e R$ 3,1 mil; e de 25% para os pós-doutorandos, atingindo o valor de R$ 5,2 mil.
Principais pontos da entrevista
Agência Brasil: O que é o Plano Nacional de Pós-Graduação e qual o impacto que ele pode ter na educação brasileira?
Mercedes Bustamante: O PNPG é um documento que norteia as políticas de pós-graduação no Brasil. A cada cinco anos, a Capes coordena um processo de consulta da comunidade e discussão com as instituições de ensino para a definição de metas para a pós-graduação no Brasil. A ideia é definir um plano a partir de 2024. E ele terá uma conexão com o Plano Nacional de Educação (PNE), que tem validade de 10 anos e será votado até o final deste ano.
Agência Brasil: O que está sendo priorizado no novo plano?
Mercedes Bustamante: Grandes temas estão sendo discutidos em grupos de trabalho. A internacionalização da pós-graduação – como a gente pode continuar com o processo da inserção brasileira na ciência e na comunidade internacional e também atrair os talentos que estão fora do Brasil para que eles possam trabalhar aqui?
As relações entre a sociedade, o setor extra-acadêmico e as universidades e as instituições de ensino superior – um estudo que indica para onde vão os nossos egressos, para onde vão as pessoas que nós formamos, mas também outro estudo que permite identificar o perfil dos estudantes que ingressam na pós-graduação. A pós-graduação tem que ser desenhada para essa geração que entra hoje nas instituições de ensino superior, mas, também, pesando qual o papel que elas devem desempenhar na sociedade nos próximos anos.
Outro aspecto central para a pós-graduação são os mecanismos de avaliação da pós-graduação. Lembrando que a Capes é responsável pelo credenciamento, pela avaliação e pelo fomento dos programas de pós-graduação e isso só pode ser feito com uma avaliação muito robusta e uma avalição que considere as múltiplas dimensões da pós-graduação.
Outra questão que nos preocupa bastante [envolve] as desigualdades e as assimetrias. Assimetrias regionais, assimetrias de gênero, assimetrias étnico-raciais, ou seja, como nós incorporamos as questões de equidade, de redução das diferenças no âmbito da pós-graduação. E, por fim, aspectos relacionados a inovação e a interações entre educação básica, formação de professores para nossa educação básica e pós-graduação.
Agência Brasil: A Capes planeja mudar os atuais parâmetros de avaliação dos cursos de pós-graduação?
Mercedes Bustamante: O plano estabelece diretrizes gerais para a avaliação, o que esperamos do processo avaliativo, quais as dimensões que devem ser consideradas, como fazemos a avaliação do sistema que hoje cresceu bastante, que se diversificou, que está em diferentes regiões do país, e cobre diferentes áreas do conhecimento. A Capes hoje tem um Termo Autocomposição assinado com o Ministério Público Federal que limita de certa forma algumas possibilidades de alteração de parâmetros de avaliação. Estamos também em discussão com representantes das áreas de conhecimento e coordenadores de área de avaliação da Capes, no sentido de entender quais são essas limitações impostas pelo termo de autocomposição, mas, também, ao mesmo tempo, não queremos perder a oportunidade de fazer com que esse processo de avaliação acompanhe as mudanças do processo de educação e de geração de conhecimento do país.
Agência Brasil: É possível adiantar algum critério na avaliação que poderá será alterado?
Mercedes Bustamante: Ainda está muito precoce, eu diria, acho que o ponto fundamental que tem sido muito enfatizado pela comissão assessora é a necessidade que a avaliação seja baseada em múltiplos critérios. O programa de pós-graduação é um programa de formação de pessoas. Então, como avaliamos os processos formativos? E outro ponto essencial [é] quando falamos da redução das assimetrias, aquela concepção dos programas de pós-graduação atendendo demandas específicas de cada localidade. Um programa no sul do Brasil tem características que são próprias da sua região, assim como um programa no Acre, no Amazonas, em Roraima. Então, é importante que o sistema de pós-graduação também englobe essa diversidade que é tão própria do Brasil, mas sem acentuar as desigualdades. A gente quer manter a diversidade, mas não as desigualdades.
Agência Brasil: Quais serão, na prática, as ações para a redução de assimetrias que poderão ser propostas pela Capes?
Mercedes Bustamante: Devemos lançar, em breve, um edital que vai cobrir os cursos que têm nota na avaliação um pouco mais baixa, de modo a apoiar e alavancar a qualidade desses programas. Outros aspectos são importantes quando a gente fala na redução de desigualdades. [É] importante considerar as dificuldades que mulheres pesquisadoras têm na ascensão acadêmica, que são mais fortes em algumas áreas do conhecimento, como as chamadas ciências exatas e da terra; e, também, a necessidade aumentar a participação de discentes [alunos] pesquisadores de grupos sub-representados como pretos, pardos e indígenas dentro da comunidade acadêmica brasileira.
Agência Brasil: O plano irá abordar também a formação de professores? De que forma?
Mercedes Bustamante: Essa vai ser uma linha extremamente importante, lembrando que a Capes, a partir de 2007, ganha essa função que é trabalhar na formação inicial e continuada de professores de educação básica, que hoje é uma atuação, da mesma forma que a pós-graduação, central dentro da Capes. A maneira ideal é que essas duas estratégias de formação estejam integradas. A formação inicial dos nossos professores de educação básica se inicia dentro da universidade. Da mesma forma, os professores que já estão hoje em atuação na sala de aula da educação básica retornam para as universidades através dos programas de mestrado profissional em educação básica, para a formação continuada. Falo que são vasos comunicantes. Precisamos da formação de bons professores na universidade. As instituições de ensino superior, os institutos federais, os institutos de pesquisa têm que estar abertos para a formação continuada dos professores. O professor de educação básica, por sua vez, com uma formação mais adequada, é capaz de levar melhores alunos para as universidades, para as instituições de ensino superior ou do ensino técnico, contribuindo para o desenvolvimento do país.
Agência Brasil: Como a Capes pensa a questão do ensino a distância (EaD) na pós-graduação?
Mercedes Bustamante: A Capes é responsável pela Universidade Aberta do Brasil, que oferece, em parceria com os municípios, através da criação de polos, a possibilidade de formação de professores em áreas onde não há universidades. Os cursos são oferecidos pelas universidades na forma de EaD através desses polos e isso também é uma estratégia para disseminar a formação de professores onde as universidades não estão e tem sido uma estratégia muito importante.
Hoje, temos um grupo de trabalho constituído para discutir a educação a distância dentro dos programas de pós-graduação e como isso deve se organizar. A pandemia nos trouxe algumas mudanças que são irreversíveis no uso dessas ferramentas.
Na minha visão, o componente presencial continua sendo um componente muito importante na relação orientador aluno e também na aquisição de determinados conhecimentos. Então, de certa forma, a tendência é muito mais no sentido de sistema híbrido e que seja possível a utilização de ferramentas de EaD, mas sem perder a perspectiva ou importância da formação em nível presencial. E sempre considerando, mesmo no uso das ferramentas a distância, o critério da qualidade.
Agência Brasil: Em relação a bolsas de estudos, tivemos recentemente reajustes após anos sem recomposição. A Capes pretende estabelecer uma previsibilidade nos reajustes das bolsas?
Mercedes Bustamante: O reajuste era realmente uma demanda legítima da comunidade acadêmica, de discentes e docentes. As bolsas do país perderam poder de compra. O reajuste publicado foi, em média, de 40%. Algumas categorias receberam mais ou um pouco menos. Era a possibilidade que nós tínhamos com o orçamento aprovado para 2023. Novos reajustes estão efetivamente em planejamento, mas vão depender do orçamento previsto para a Capes para os próximos anos. O que já foi concedido será mantido e há a possibilidade de novos reajustes. O ideal é que as bolsas tivessem uma certa previsibilidade dos seus reajustes, mas isso está muito associado também à aprovação da lei orçamentária anual, que depende da proposta a ser levada para o Congresso e da aprovação do Congresso Nacional. Nós esperamos fortemente que os congressistas entendam a importância das bolsas dentro do sistema nacional de pós-graduação e apoiem esse pleito de maior orçamento para a Capes.
Agência Brasil: Em qual estágio de elaboração está o plano? Quais são os próximos passos e os próximos prazos?
Mercedes Bustamante: Os últimos grupos de trabalho formados pela comissão assessora estão concluindo agora os seus estudos e [o documento] será consolidado pela Capes. Há o planejamento de algumas oficinas regionais em parceria com as fundações de apoio a pesquisa dos estados para entender um pouco mais da demanda regionalizada de formação de recursos humanos. Depois dessas oficinas regionais, o documento será novamente consolidado e submetido à consulta pública. Depois, será encaminhado, para aprovação final, ao Conselho Superior da Capes. Esperamos que entre dezembro e janeiro seja possível fazer a consulta ao Conselho Superior para ter um plano vigente em janeiro de 2024. Mas sujeito a condições de temperatura e pressão.
Agência Brasil: Por fim, o qual o papel da pós-graduação para o país?
Mercedes Bustamante: Acho que o ponto central hoje é essa preocupação que a pós-graduação esteja atenta às mudanças em termos de desenvolvimento de economia do país. Então, se o país discute um novo processo de industrialização, quais serão os recursos humanos que serão necessários para esse novo processo de industrialização na construção de um caminho para a sustentabilidade? O Brasil vai sediar a COP-30 [Conferência do Clima das Nações Unidas] em Belém, em 2025. Como a pós-graduação pode contribuir com rotas de desenvolvimento sustentáveis para o país? Então, é realmente colocar a formação de recursos humanos a serviço da construção desse país que almejamos.